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13 de diciembre de 2011 | |

FAO e novos desafios

Horácio Martins (MST) critica Graziano Da Silva, futuro diretor-geral da FAO

A poucas semanas de assumir seu cargo como diretor-geral da FAO, o brasileiro Graziano Da Silva atacou o posicionamento dos movimentos que reivindicam a agricultura camponesa como alternativa ambiental e socialmente sustentável ao agronegócio capitalista. Em entrevista com Rádio Mundo Real, Horácio Martins Carvalho, da Vía Campesina Brasil, critica o discurso de Graziano.

Em entrevista com a agência de notícias Inter Press Service (IPS), Graziano, que no dia 1° de janeiro assumirá o cargo de Secretário General da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), disse que a Via Campesina Internacional tem uma “atitude paralisante”.

“Infelizmente, alguns movimentos sociais têm um ponto de vista prejudicial para eles mesmos e, de certa forma paralisante (ao defenderem) a ideia de que a agricultura familiar e o agronegócio são excludentes, competidores”, disse Graziano, agrônomo e economista de profissão.

Levando em conta a experiência do Programa “Fome Zero” aplicado sob sua condução no Brasil durante o governo de Luiz Inácio Lula Da Silva, o futuro responsável da FAO indica que o problema da fome em nível global deve ser resolvido através do agronegócio empresarial já que “investir no combate à fome é um bom negócio, com excelentes lucros ”.

Em resposta, Horácio Martins disse que Graziano sempre tem defendido o agronegócio e o grande capital conduzindo a agricultura através de posições intelectuais coerentes com esse posicionamento, que o têm levado a ocupar o cargo na FAO.

“Portanto suas declarações são muito limpas quanto a defender esse compromisso com o grande capital internacional, talvez com algum matiz para com o capital nacional, mas isso em todo caso é um detalhe. Ele não vê a luta de classes como um princípio da sociedade, sempre esteve a favor da conciliação de classes; e os governos servem para fazer políticas de apoio a esse grande capital multinacional e nacional, em particular no campo e para o exercício de políticas sociais que reduzam a pobreza e a miséria mas mantendo a dominação do capital”, disse Horácio desde Curitiba, Paraná.

Disse que atualmente a alimentação é um sistema de dominação do grande capital sobre as populações, já que existem cerca de 500 empresas que dominam a alimentação e a agricultura mundial. Apesar disso, um bilhão de pessoas são reconhecidas como famintas, embora a superação desta situação -na lógica de Graziano e da FAO- significa se submeter ainda mais à mercantilização da terra, a água, as sementes e a indústria alimentar.

“Reduzir a pobreza significa que as pessoas que tenham fome comam um pouco. Por exemplo para ajudar a Somália a reduzir a fome, sempre na perspectiva do capital defendida por Graziano, serão comprados os alimentos no mercado e, consequentemente, se estarão beneficiando as mesmas multinacionais que são as que têm o controle do mercado mundial de alimentos”, disse Martins.

Para o teórico brasileiro, isto faz “reproduzir na base uma imensa contradição em que para sair da fome deve-se subordinar ao capital transnacional”.

Na entrevista com IPS, Graziano afirmou que “uma enorme parte da agricultura familiar hoje está envolvida com a cadeia de abastecimentos do agronegócio. Não há maneira de evitar se mover nessa direção. É por isso que a ideia de combater esse modelo tem um efeito paralisante . Para agricultores familiares teria mais sentido lutar pelo desenvolvimento de mercados locais onde são demandados alimentos frescos que não podem ser comercializados no mercado internacional”.

Vazio teórico

O campesinato como classe social em construção, negadora do capital, portador de um outro modelo de sociedade, requer de uma elaboração teórica na interna da própria esquerda e dos movimentos sociais, diz Horácio Martins em outro trecho da entrevista.

A perspectiva defendida por Graziano aprofundaria a pressão para concentrar e apropriar as terras e produção de alimentos, precisamente no sentido contrário ao defendido pelos movimentos camponeses em todo o planeta, que afirmam que a agricultura de pequena escala, familiar, agroecológica, é a única alternativa de geração de emprego, esfriamento global e respeito ao Direito à Alimentação reconhecido como direito humano.

“Defender a agroecologia como uma alternativa produtiva, sem negar o capital, não é uma alternativa real ao atual modelo produtivo, não é solução”.

“Quando Graziano fala de um efeito paralisante do movimento camponês, faz isso sem levar em conta a necessidade dessa concepção de negação ao sistema capitalista. Os camponeses e a esquerda devem elaborar essa proposta de negação e superação do sistema capitalista no campo. Lamentavelmente disso não se fala, temos um vazio teórico, precisamos teorizar um socialismo para o campo, do contrario a agricultura camponesa contemporânea não vai subsistir. Há várias coisas que ainda não se discutem mas que devemos ter clara na perspectiva. Sem esse marco teórico, como vamos dialogar com os camponeses, como vamos a pensar em alianças com os operários da cidade, como vamos definir uma tática e acumular forças?”, perguntou Horácio.

Graziano assumirá seu cargo na FAO no dia 1° de janeiro embora sua apresentação “pública” será em uma conferência sobre reforma agrária e desenvolvimento rural na cidade argentina de Mar del Plata prevista para março.

Foto: imersaolatina.blogspot.com

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